quarta-feira, 11 de setembro de 2019

A ilha brasileira mais perto da África que vai desaparecer


ÉLCIO BRAGA

O cenário é assustador: um punhado de rochedos pontiagudos forma um arquipélago, no meio do Atlântico, a mil quilômetros do continente. É o pedaço do Brasil mais perto da África: chacoalhado frequentemente por terremotos, menor do que dois campos de futebol, sem vegetação nem fonte de água doce. Mas brasileiros moram aqui desde 1998, dividindo o parco espaço com caranguejos e aves. Este é Arquipélago de São Pedro e São Paulo.

A parte mais alta destas ilhotas remotas tem apenas 18 metros, e a profundidade ao seu redor é de 4 mil metros. Para complicar, o mar por vezes em fúria se torna ameaçador. Mas há razões para o Brasil se esforçar tanto para manter gente morando em um lugar tão inóspito: a exploração do mar de 200 milhas ao redor.

Dez ilhotas de pedra formam o Arquipélago de São Pedro e São Paulo 
Há muitas curiosidades e histórias sobre este território. Esta é a única ilha oceânica no mundo formada pelo manto terrestre, uma das entranhas mais profundas da Terra. Um italiano perdido no mar, com fome e sede, só sobreviveu ao ser visto à deriva próximo aos rochedos, coincidentemente após um estranho sonho.

— O que eu fico pensando é: o que um cara como Darwin, o que ele pensou quando viu um negócio daquele — pergunta o sismólogo Aderson Nascimento, coordenador do Laboratório de Sismologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

QUEDA DE AVIÃO

Parte do trem de pouso no fundo do Atlântico
Apesar de sua importância, o Arquipélago de São Pedro e São Paulo é praticamente desconhecido no Brasil. Mas, após a noite de 31 de maio de 2009, os Rochedos ou Penedos, como eram identificados no passado, mereceriam menção até no noticiário internacional. O voo 447 da Air France, que havia decolado do Rio de Janeiro rumo a Paris, sofreu uma pane durante violenta tempestade. O Airbus A330-203 caiu com 228 pessoas a bordo nas águas profundas do Atlântico, a aproximadamente 300 quilômetros do arquipélago. Ninguém sobreviveu.

Parte do motor no leito marinho, a mais de 3.700 metros
O avião havia deixado o alcance do controle de tráfego aéreo no Brasil e ainda não havia entrado na área de controle do Senegal, no lado africano. A região da queda fica no meio do nada. E é nesse lugar que está a nossa ilha. Também foi um acidente que fez a nossa ilha entrar no mapa.

— A descoberta aqui dessa região está relacionada a um naufrágio que ocorreu aqui, nos idos de 1511. A nau São Pedro navegando por essas áreas, ela abalroou uma dessas pedras e acabou naufragando. Então, daí o nome São Pedro. O nome São Paulo você pode encontrar duas explicações ao São Paulo. Uma das explicações estaria no navio que veio fazer o socorro de São Pedro. Teria sido a nau São Paulo — observa o capitão-de-corveta Marco Antonio Carvalho de Souza, o coordenador do Proarquipélago, programa responsável pela ocupação e pesquisa no território ultramarino.

— Uma outra explicação para o nome São Pedro e São Paulo, em relação a formação geológica. São Pedro e São Paulo está localizada exatamente em cima de uma fratura, uma falha, chamada de Falha de São Paulo — diz a bióloga Danielle Viana.

DISTÂNCIA DA COSTA

 O Arquipélago de São Pedro e São Paulo está a exatos 988,9 quilômetros da nossa costa e é o ponto do Brasil mais perto da África: a aproximadamente 1.820 quilômetros das praias de Guiné-Bissau.

Para ir a São Pedro e São Paulo, só mesmo de barco. Mas, detalhe: este lugar não é aberto ao turismo. O acesso é apenas para pesquisadores e universitários que desenvolvam projetos, sobretudo, de geologia, oceanografia e biologia marinha. O embarque acontece em Natal, no Rio Grande do Norte, em navio da Marinha ou em pequenos barcos pesqueiros, contratados para baratear os custos.

O arquipélago pertence a Pernambuco, mas está sob controle do Programa Arquipélago de São Pedro e São Paulo, que reúne representantes de vários órgãos federais. Foi criado pela Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), cujo coordenador é o comandante da Marinha.

 — De 15 em 15 dias sai uma expedição do Porto de Natal, transportando os pesquisadores para São Pedro e São Paulo. Uma embarcação chega com um grupo, rende a que está aqui e aquele daqui regressa para o continente. Aquela nova embarcação vai permanecer aqui com aquele novo grupo. Assim a gente mantém o arquipélago habitado continuamente. E esporadicamente nós programamos essas comissões em que aplicamos navios maiores, navios da Marinha, em que trazemos uma série de técnicos. Então, nessas ocasiões, fazemos a manutenção da parte elétrica, das edificações, de estruturas instaladas em São Pedro e São Paulo — diz o coordenador do Proarquipélago

A maior parte das viagens são em barcos pesqueiros.

— Aqui são os beliches em que os engenheiros de pesca dormem. O pessoal que vem, né? — diz o pescador Josué Medeiros da Silva.

— Aqui são os pescadores… Tem mais quatro beliches aqui, né? O pessoal dorme aqui — prossegue ele, mostrando os estreitos espaços para o descanso.

— Aqui é a primeira classe? — pergunto.

— Eu durmo aqui, o mestre, o despachante… — acrescenta Josué.

— É apertadinho aqui, não? — observo.

— É um pouco apertado — concorda o pescador.

— Cabe quantas pessoas aqui no barco?

— Oito, a tripulação... os pescadores aqui são oito. E os viajantes são 12 no total — assinala Josué.

O arquipélago é castigado pelo mar agitado

VIAGEM NO ARAGUARI

Em minha viagem, em setembro de 2016, dei sorte. Embarquei em um moderno navio patrulha da Marinha, o Araguari.São três dias de viagem para percorrer os mil quilômetros entre céu e mar até o destino. A gente só consegue perceber com clareza o arquipélago quando chega bem perto. O desembarque é feito em etapas. Primeiro, você segue em bote inflável até o barco de pescadores e dali pega uma pequena embarcação até a Ilha Belmonte, a maior e a única ocupada.

Você sobe uma pequena escada e, enfim, pisa, digamos assim, em pedra firme. Não há areia. Em frente está a pequena estação e, à direita, o farol, com a antena parabólica. E não há mais nada.

 — Essa ilha aqui tem 120 metros de lado e 90 de profundidade. Então, você vê que é um lugar extremamente pequeno. Agora as outras ilhas são mais inóspitas, mais difíceis de a gente chegar. Passarinho passou e fez uma graça comigo. Fez uma guerrinha — diz o capitão-tenente José Bento.

Mas isso não quer dizer que não haja o que fazer.

 — Essa ilha é singular. Ela é um laboratório natural. Aqui nós encontramos com facilidade acesso para estudo nas mais diversas áreas, não só da Biologia Marinha, mas como da Meteorologia, da climatologia… - diz o professor Jorge. - Pra nós pesquisadores, o arquipélago é um laboratório que está permanentemente fundeado no Oceano Atlântico — diz Danielle.

— Qualquer geólogo daria um dedo para poder estudar isto aqui — diz o biólogo Moyses Cavichioli.

O arquipélago é como se fosse um oásis. Um dos estudos avalia a cadeia alimentar. O guano, as fezes das aves, que dá cor esbranquiçada às pedras, é arrastado pelas ondas e atrai microrganismos, que atraem os pequenos peixes, que atraem os maiores e que acabam atraindo os grandalhões, como o tubarão-baleia, de até 14 metros de comprimento. No vídeo, você pode ver o biólogo Bruno Macena nadando com um exemplar. O animal, felizmente, não é agressivo.

Há outras espécies não tão amistosas.

 — Nesta região aqui tem muito tubarão? Você já viu muito tubarão, não? — pergunto ao pescador
Alderi Siqueira, que faz a ligação, em pequeno bote, entre a ilha e o barco de pesca.

 — Tem muito. Tem vezes que a gente não consegue nem contar ao redor do barco — responde ele, que há dez anos pesca nos rochedos.

 — Você sabe qual é a espécie?

 — Lombo preto e martelo — responde Alderi.

 — Martelo ataca… — atesto.

 — Ele é meio agressivo, mas até agora aqui nunca teve ataque — pondera.

UM LUGAR QUE TREME
Superfície é formada pelo manto terrestre que aflorou

 No arquipélago, há mais com o que se preocupar. Terremotos…

 — Já tive oportunidade de sentir terremoto tanto embaixo d’água como aqui na ilha, né? A penúltima vez que estivemos aqui fazíamos imagens subaquáticas e a gente sentiu. Foi quase cinco pontos na escala – diz a bióloga Danielle Viana.

 — Os tremores aqui raramente atingem uma pontuação mais alta na escala Richter. São bem amenos. Mas, sim, tem registro, assim, de tremores consideráveis — atesta o biólogo Moyses Cavichioli.

 — Já foram localizados um total de 362 eventos sísmicos com magnitude variando de 1 a 6.2, este maior, ocorrido no início desse ano — completa o geofísico Guilherme de Melo, do Laboratório de Sismologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

 Em mergulho na enseada, percebemos o acentuado declive rumo as profundezas do Atlântico. Os rochedos são o topo de uma cadeia de montanhas submersas.

 — A região aqui está sujeita a terremotos frequentes. São Pedro e São Paulo aflorou exatamente sobre a Falha de São Paulo, uma falha que percorre todo o Oceano Atlântico. São Pedro e São Paulo se ergue de uma profundidade abissal, cerca de quatro mil metros de profundidade, exatamente sobre esta falha, a partir desta falha. Então, é uma região que treme com muita frequência — diz o capitão de corveta Marco Antonio Carvalho.

 — Se a gente entende bem aquela região do ponto de vista do que está ocorrendo em termos de terremoto, a gente tem muito mais informação sobre os detalhes de como está sendo a abertura entre as duas placas tectônicas, entre a placa sul-americana, que o Brasil está dentro dela, e a placa africana — explica o sismólogo Aderson Nascimento.

 Não é à toa que estes rochedos chamaram a atenção de Charles Darwin, durante viagem no HMS Beagle. Em 16 de fevereiro de 1832, o naturalista inglês desembarcou na ilha Belmonte e constatou que a formação era diferente da de ilhas vulcânicas. Mais tarde, se descobriria que ao tocar no solo desta ilha estamos tocando nas profundezas da Terra.

 — Esta ilha tem uma característica muito interessante que é a única ilha oceânica composta pelo manto. A maioria das outras ilhas e cordilheiras é a partir do núcleo ou da crosta terrestre — diz Moyses.

 — Quando você caracteriza a Terra em diversas camadas, tem uma camada um pouco mais superficial que é a crosta. Em regiões oceânicas, a crosta tem pouco mais de 10 até 15, no máximo 17 quilômetros. A partir disso, tem uma transição, um outro tipo de rocha, que são rochas mantélicas. São nestas rochas, basicamente, que as placas tectônicas repousam — assinala o sismólogo Aderson Nascimento.

 — Então, ela tem esta característica única que é o sonho de qualquer geólogo que é estar aqui e ter amostra desta rocha, o peridotito serpentinizado — acrescenta Moyses.


Em dias de ressaca, a estação sofre com as ondas

ABERTURA ENTRE CONTINENTES

 Se este lugar é tão estranho, tão adverso, por que mantê-lo ocupado?

 — Há cerca de 160 milhões de anos, o processo de abertura entre os dois continentes se iniciou. Entre esses dois continentes você forma lugares com potencial petrolífero e de mineração também muito alto — diz Aderson.

 Para ter direito a esta riqueza, o Brasil precisou agir rápido.

 — São Pedro e São Paulo veio, efetivamente, a despertar o interesse, quando da promulgação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos do Mar. Esta convenção é que estabelece que as ilhas que não se prestam a habitabilidade não tem direito a esta zona econômica exclusiva — observa Marco Antonio Carvalho.

 Em 25 de junho de 1998, inaugurou-se a primeira estação científica no arquipélago.

 — Garantir esta ocupação contínua permite ao País legitimar uma área de zona econômica exclusiva de aproximadamente 450 mil quilômetros quadrados. Assim, ampliamos a nossa Amazônia Azul, já tão grande, que esconde um patrimônio gigantesco — ressalta Carvalho.

 Mas a primeira estação no arquipélago duraria pouco...

No ano seguinte à inauguração, grandes ondas destruíram parcialmente a sede. Em 2006, barreiras de proteção foram instaladas. O mar surpreendeu novamente e causou graves danos à estação. Uma nova sede foi construída em área mais protegida e com sapatas elevadas, resistentes a terremotos. Mas, o mar em fúria voltou a assustar em 29 de maio de 2014. Os quatro pesquisadores, que passavam temporada de 15 dias, correram para o farol, a parte mais alta na Ilha Belmonte, e se refugiam em um abrigo de emergência.

— Lá em cima a gente tem um abrigo, um shelter, onde nos casos mais extremos aqui no arquipélago, quando acontece situações inesperadas, o pessoal que está aqui vai para lá. Lá nós temos água, ração para sobrevivência durante cinco dias. E aqui a gente sabe que está tudo bem agora, de repente o mar fica agitado, o pessoal tem de se recolher a um lugar seguro. Então, lá está o nosso shelter — diz José Bento, o encarregado da manutenção.


A futura estação ficará amais de três metros do solo

Um terceiro projeto promete deixar, enfim, os pesquisadores mais seguros.

 — Uma vez que essa nova estação a pretensão é instalá-la a uma altura de cerca de três metros em relação ao solo. Assim, vamos trazer mais segurança no que se refere ao impacto das ondas. O incômodo com as ondas vai praticamente deixar de existir para o pesquisador. Mas em função principalmente dos tremores frequentes nesta região há necessidade de se chegar a um dimensionamento de estrutura que seja compatível com essa realidade — diz Carvalho.

 Apesar da ameaça permanente do mar, um antigo estudo estimou o crescimento do arquipélago. Uma nova coleta de dados, iniciada em 2015, oferecerá um dado mais preciso.

— O que a gente também tem, além da estação sismográfica lá, e isto é uma novidade, é uma estação total de GPS, que está funcionando lá há cerca de um ano. Esta estação total é que vai dar a taxa atual de crescimento, de soerguimento da ilha. O que a gente tem é de 1,5 a 2 milímetros por ano, mas isso é uma taxa média de datação de corais, na ilha — observa Aderson.

 A natureza nos surpreende em São Pedro e São Paulo.

A TRAIÇÃO DOS ATOBÁS
A ave divide a ilha entre os solteiros e os casados

 Se você acha que a vida é dura para os pesquisadores, é porque desconhece o perrengue dos atobás. A vida é sobre as fezes.

 — Eles fazem muito coco e o branquinho é exatamente o guano  — observa a bióloga Danielle Viana.

 Tem de tudo. Invasão de domicílio, adultério, bigamia, infanticídio, briga entre vizinhos, abandono de incapaz…

 — Eles são meio desengonçados. Eles não conseguem pousar exatamente no local certo, no local do ninho deles. Quando isso acontece, como aconteceu agora há pouco, eles acabam brigando. Eles são extremamente territorialistas e são agressivos — diz a bióloga.

 A principal ilha, a Belmonte, é dividida entre os casais, que ocupam a parte mais nobre, entre a estação e o farol. Os solteiros ficam na região mais plana e baixa, sujeita às ondas. Não é difícil identificar machos e fêmeas.

 — Olha a cor do bico dela é mais puxado para o rosa. E esse outro que está ali tem o bico mais puxado para o amarelo esverdeado. É o macho. A cor do bico é a cor da patinha — diferencia Danielle.

Um casal de aves se tocam com o bico.

 — Troca de carinho, mas o macho quando ele quer copular, sobe em cima das costas das fêmeas — explica Danielle.

Um outro atobá parece tremer.

 — Esse comportamento de ficar airando, tremendo a garganta, é para tentar amenizar o calor — esclarece.

 — Até um determinado tamanho ele não consegue se alimentar sozinho. Então, o macho e a fêmea capturam o peixe e regurgitam na boca do filhote.

 Mas, aí começam os problemas.

 — Às vezes, acontece de eles chocarem dois ovos ao mesmo tempo. Quando acontece de eclodirem os dois ovos, geralmente o filhote mais forte, ele acaba expulsando o mais fraco do ninho. Exatamente porque os pais não têm condições de alimentar os dois. Só o mais forte sobrevive — diz Danielle.

 — Chega um momento, entre dois meses e meio e três meses, que os pais decidem expulsar o filhote do ninho. E aí é surra. Dão surra até o bicho sair. A intenção é exatamente essa. Desocupar o ninho para que eles possam gerar uma nova prole — diz.

 Na parte menos nobre da ilha, todo machucado, o jovem atobá buscará companhia. A missão é mais fácil para o macho. O número de fêmeas é 12 por cento maior.

 — Saiu do ninho, ele tem de procurar uma fêmea. Procurar um espaço para ter o próprio ninho, e gerar filhote, continuar a prole — conta a bióloga.

 Em uma ilha sem vegetação, quase não há material para confeccionar o ninho. Com disponibilidade maior de fêmeas, os machos pulam a cerca.

 — Muitas vezes, o macho toma conta de dois ninhos. Como falta material, ele fica levando de um ninho para o outro — diz Danielle.

 A ilha é pequena, mas guarda muitas histórias...

PERTO DA MORTE
O italiano Alex Bellini: sorte

A morte está próxima para o italiano Alex Bellini. Ele está perdido em um barco a remo no meio do Atlântico. Aos 28 anos, parece ser o fim da aventura de atravessar sozinho o Atlântico, depois de partir de Gênova, na Itália, rumo a Fortaleza, no Ceará. Em uma travessia cheia de contratempos, teve o barco virado por duas grandes ondas. Parte dos alimentos se perdeu, outra se estragou. Após quase seis meses, ele se vê sem nada para comer havia cinco dias.

 Mas há um fio de esperança. Por rádio, recebe orientações de amigos na Itália sobre um arquipélago brasileiro naquela região. Mas o território nem sequer constava em suas cartas náuticas. E pior: a ondulação do mar escondia o baixo relevo das ilhotas. O italiano não vai achar nada.

Só um milagre o salvará. A sorte está com Bellini. No barco que dá apoio às pesquisas no Arquipélago de São Pedro e São Paulo, um pescador percebe algo alaranjado flutuando no horizonte, no imenso mar azul. É o barco à deriva com o italiano exausto e faminto.

 A comitiva que estava comigo precisou se apertar para caber na estação na única noite que passamos lá. Fiquei com a beliche de cima em frente à janela. Graças a isso pude fazer uma imagem, ainda na cama, no amanhecer de 24 de setembro de 2016.

O sol aparece e se torna abrasador nos primeiros momentos do dia na única ilha oceânica brasileira acima da linha do Equador. Às 6h, fui para o farol fazer imagens gerais. Depois de gravar algumas entrevistas, soube do caso do italiano perdido.

 — A ilha tem muitas histórias. Mas a minha favorita é a de um aventureiro italiano que queria atravessar o Atlântico em um caiaque – diz a bióloga Danielle Viana.

Bellini foi resgatado por pescadores baseados na ilha

Ao voltar para o continente, consegui localizar o aventureiro Alex Bellini, morando em Londres, dez anos após o resgate. Por videoconferência, Bellini contou sobre a fantástica experiência em 2006.

 — Cheguei a um pequeno arquipélago, muito feio, cheio de rochedos, cobertos de guano das aves marinhas. Não havia lugar para sentar. Mas, mesmo assim, representava a minha sobrevivência  — recorda o navegador Bellini, hoje com 40 anos.

 — Eu parecia mais morto do que vivo. Muito magro, cansado. Fui recebido como um náufrago pelo fato de ter ficado cinco dias sem comer. A primeira coisa que perguntei foi por água e comida, mas negaram.

Por fim, perguntei a Bellini sobre uma estranha coincidência em seu resgate que envolve o nome dos santos. Então, ele me explicou que assim que chegou a ilha Belmonte conseguiu ligar para um amigo e informar a todos que estava salvo.

 — Quando contatei meu amigo por telefone e disse que estava no Arquipélago de São Pedro e São Paulo. Ele ficou congelado. Ele me disse: “Alex, você não vai acreditar. Mas, minha mãe”, a mãe de meu amigo, “tinha sonhado que você estava pendurado ao campanário de nossa paróquia de Aprica.” A igreja de Aprica é em homenagem a São Pedro e São Paulo. O santo padroeiro da cidade é São Pedro e São Paulo. E a mãe do meu amigo havia sonhado comigo agarrado ao campanário de São Pedro e São Paulo. É bastante misterioso, uma bela coincidência: era efetivamente o que eu estava fazendo: agarrado à esperança de sobreviver com a proteção de São Pedro e São Paulo.


Bellini com pesquisadores no barco que dava apoio à estação

Notas:

1 - Depois de se recuperar, Alex Bellini partiu do arquipélago e chegou a Fortaleza, totalizando 226 dias de navegação na travessia do Atlântico. Em 2008, Bellini fez a travessia do Pacífico.

2 - Análise preliminar do Laboratório de Sismologia da UFRN, em maio de 2019, indica que a taxa de soerguimento é negativa, mas menor que 1 mm por ano. Estima-se que em até 50 mil anos, devido à erosão e por estar sobre a Falha de São Paulo, o arquipélago poderá estar completamente submerso.

3 comentários:

  1. Uma pergunta um tanto "fora da curva" mas vamos lá: Sobre o caiaque utilizado pelo Alex Bellini, qual era esse caiaque? Quais as características?

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    1. O vídeo abaixo é da chegada dele em Fortaleza:https://www.youtube.com/watch?v=MeDq8MIalnY&t=6s
      No outro vídeo da para ver bem o "caiaque": Https://www.youtube.com/watch?v=Ww8Ni-fJ6wE
      Talvez tenha mais informações nos dois canais que ele possui no youtube.

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  2. Que incrível essa ilha! Deu até vontade de ser pesquisadora haha!

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