sábado, 23 de agosto de 2025

ANTÁRTICA: CIÊNCIA, HISTÓRIA E AVENTURA NO CONTINENTE GELADO

Por Elcio Braga – direto das Ilhas Shetland do Sul, Antártica






Há aproximadamente 25 milhões de anos morreu a última árvore da Antártica. O continente havia sido uma imensa floresta, lar de uma fauna exuberante. Com a movimentação das placas tectônicas, houve o deslocamento em direção ao Polo Sul e devido à formação da corrente circumpolar começou a congelar. A cada ano uma nova camada de neve a cobria. Hoje a cobertura chega a 5 quilômetros em algumas regiões.


Lugar mais inóspito do planeta, demorou a ser descoberto e desbravada no início do século XX, culminando com as extraordinárias aventuras de Scott, Amundsen e Shackleton, lições até hoje replicadas em livros, no cinema e em encontro de coachs. Esta reportagem é um resumo do vídeo acima, trazendo mais de 100 milhões de anos de história desse lugar fantástico e sobre como podemos visitá-lo.

Ilha Rei George, onde fica a base brasileira na Antártica
(Foto: Élcio Braga)


PARTE 1 – A CHEGADA

Depois de cinco dias navegando desde Punta Arenas, no Chile, cruzando os canais da Terra do Fogo e enfrentando o temido Estreito de Drake, finalmente avistamos as primeiras terras da Antártica. A bordo do Navio Polar Almirante Maximiano, da Marinha do Brasil, sigo com pesquisadores rumo à nova Estação Antártica Comandante Ferraz, na Ilha Rei George.

As Ilhas Shetland do Sul surgem no horizonte como o primeiro sinal de que estamos próximos da Península Antártica. O frio já é intenso, e o vento, cortante. Filmar do convés é um desafio. As mãos congelam rapidamente ao tirar as luvas. A solução? Esquentá-las debaixo dos braços, como aprendi com os marinheiros.

A aproximação à Baía do Almirantado é marcada por expectativa. O comandante do navio, Cândido Marques, resume bem o momento: “Finalmente, chegamos à Antártica, trazendo pessoal e material. Aqui é um dos poucos lugares do continente onde se vê o relevo, não totalmente coberto de gelo.”

A nova estação brasileira custou cerca de100 milhões de dólares
(foto: Élcio Braga)




PARTE 2 – A ESTAÇÃO BRASILEIRA

A Estação Antártica Comandante Ferraz foi inaugurada em 6 de fevereiro de 1984, em homenagem ao capitão de fragata Luiz Antônio de Carvalho Ferraz. A antiga estrutura, formada por containers verdes, foi destruída por um incêndio em 2012. A nova estação, inaugurada em 2020, custou cerca de 100 milhões de dólares e possui 4.500 m², com capacidade para 64 pessoas e 17 laboratórios.

O capitão de mar e guerra Geraldo Gondim Juaçaba Filho detalha: “O bloco técnico é o coração da estação. Temos geradores, caldeiras, incinerador, tratamento de água e esgoto. Há também academia, biblioteca, sala de reuniões e vídeos. A energia vem de torres eólicas e placas solares. Dois lagos abastecem a estação com água do degelo.”

O Brasil mantém ainda os módulos Criosfera I e II, coordenados pelo glaciólogo Jefferson Cardia Simões, da UFRGS. O Criosfera I está a 670 km do Polo Sul geográfico.







Rosa e Câmara em pesquisa sobre micro-organismos


   

PARTE 3 – AS PESQUISAS

O microbiologista Luiz Rosa, da UFMG, pesquisa fungos com potencial para produzir antibióticos contra doenças negligenciadas no Brasil. “Pode ser que no futuro encontremos aqui novos antibióticos para combater febre amarela, zika, dengue”, afirma.

O biólogo Paulo Câmara, da UnB, estuda as plantas da Antártica. “A maior planta é a Deschampsia antarctica, uma gramínea. O solo congelado impede o crescimento das raízes. Existe uma linha chamada Tree Line, acima da qual não há árvores.”

Trabalhar na Antártica exige preparo. “Às vezes, temos um mês de operação e só conseguimos trabalhar três dias. O clima muda rápido. É preciso perseverança e planejamento”, diz Rosa.

Para pesquisar na Antártica, é necessário integrar projetos do Proantar. “O Ministério lança editais via CNPq. Se aprovado, o pesquisador tem acesso à estação e à infraestrutura da Marinha”, explica Câmara.

Estudos sobre o aquecimento global revelam mudanças na Península Antártica. Em 2020, foi registrada a maior temperatura: 20,7°C. Modelos indicam que a região pode ser dominada por vegetação em 100 anos.

A Antártica abriga 90% do gelo e 70% da água doce do planeta. Se derretesse, o nível do mar subiria 58 metros. Estudos recentes mostram aumento da camada de gelo entre 2021 e 2023, mas os cientistas alertam que pode ser uma variação de curto prazo.

O lago Vostok, sob a estação russa, pode conter organismos primitivos. “Ali pode estar o primórdio da vida. Mas é preciso cuidado para não contaminar”, alerta Rosa.


Plesiossauro e mosassauro nos mares da Antártica



PARTE 4 – O PASSADO GEOLÓGICO

A Antártica fazia parte do supercontinente Gondwana, junto com América do Sul, África e Austrália. O projeto Paleoantar, coordenado por Alexander Kellner, busca evidências de uma Antártica verde e quente há 75 milhões de anos.

“Encontramos fósseis de plesiossauros, mosassauros e pterossauros. A vegetação era composta por coníferas, como araucárias e pinheiros”, explica Kellner.

Pesquisadores encontraram troncos fossilizados e carvões, indicando incêndios naturais. “Esses registros ampliam nosso conhecimento sobre incêndios vegetacionais no hemisfério Sul”, afirma Flaviana Lima, da UFPE.

O resfriamento começou há 35 milhões de anos, com a formação da Corrente Circumpolar Antártica e a queda nos níveis de CO₂. “A vegetação foi dizimada pelo gelo. O que vemos hoje chegou de fora”, diz Câmara.

Turistas na Baía do Almirantado, em frente à base brasileira
(Foto: Élcio Braga)

 


PARTE 5 – O TURISMO

No verão, navios de cruzeiro como o Coral Princess chegam à Baía do Almirantado. Cada passageiro paga cerca de 8 mil dólares. A estação brasileira virou atração turística.

Abbey Weisbrot, da Quark Expeditions, elogia: “É uma estação de última geração. A beleza bruta da Antártica é algo que precisa ser vivenciado.”

A médica e pesquisadora Daniela Silvestre compartilha sua experiência: “Na vida, fazemos escolhas. Meu sonho demorou 18 anos. Já participei de três expedições, incluindo a Shackleton Expedition e a circum-navegação.”

Ela explica os roteiros mais desejados: Península Antártica (8 a 15 mil dólares), Geórgia do Sul (15 a 25 mil), circum-navegação (27 a 37 mil), Polo Sul (60 mil), Monte Vinson (60 mil) e travessias de esqui (até 70 mil).

O turismo é regulado pelo Tratado da Antártica e pela IAATO. Em 1990, foram 3 mil visitantes. Em 2023/2024, 125 mil. Cada turista gera cerca de cinco toneladas de CO₂. “Precisamos minimizar o impacto. O que fazemos em casa também afeta a Antártica”, alerta Daniela.





Amundsen hasteia a bandeira da Noruega
(foto: National Library Norway)

PARTE 6 – A CONQUISTA DO POLO SUL

A corrida ao Polo Sul envolveu britânicos e noruegueses. Robert Falcon Scott liderou a expedição Terra Nova (1910–1913). Roald Amundsen, com trenós puxados por cães, chegou primeiro em 14 de dezembro de 1911. Scott chegou 34 dias depois e encontrou a bandeira da Noruega.

“Quando Scott chegou, havia uma carta: ‘Querido Scott, favor entregar ao rei Haakon’. Isso é cruel”, comenta Daniela.

Na volta, Scott e seus quatro companheiros morreram a 20 km de um depósito. “A última entrada no diário dizia: ‘Por favor, cuidem das nossas famílias’. Os corpos foram encontrados oito meses depois”, relata Daniela.


Shackleton: coragem e liderança 
PARTE 7 – A EXPEDIÇÃO DE SHACKLETON

Ernest Shackleton queria atravessar a Antártica a pé. Em 1914, partiu com o navio Endurance. O navio ficou preso no gelo e afundou em novembro de 1915. Os 28 tripulantes montaram acampamento sobre o gelo.

“Eles ficaram presos por dez meses. O navio foi sugado para 3 mil metros de profundidade”, conta Daniela.

Após meses, chegaram à Ilha Elefante. Shackleton partiu com cinco homens no bote James Caird e enfrentou 1.400 km até a Geórgia do Sul. Depois, atravessou a ilha a pé com dois companheiros em 36 horas.

“Chegaram à estação baleeira de Stromness. As crianças acharam que eram fantasmas”, relata Daniela.

Após quatro tentativas, Shackleton resgatou todos os homens da Ilha Elefante. Nenhuma morte. “Ele falhou no objetivo, mas foi um líder exemplar. Sua história é usada em corporações para ensinar gestão de pessoas.”

Shackleton morreu em 1922, na expedição do navio Quest. Foi enterrado na Geórgia do Sul, onde seu túmulo permanece como símbolo de coragem e liderança.


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